Dirigi-me ontem para o médico com um menino de 7 anos que estava doentinho, sendo que eu própria já lhe tinha diagnosticado a doença e como tal necessitava de uma confirmação, assim como de um antibiótico. Fui às chamadas urgências do Posto Médico da minha residência (uma vez que nunca tive direito ao chamado médico de família) e como já conheço o lugar resolvi que levaria comigo um livro (o que estava a começar a ler na altura), para que me distraísse um pouco da seca de esperar. SECAR para me inscrever na lista das consultas e depois SECAR para que me atendessem…
Descobri que um livro tem efeitos terapêuticos, faz sempre com que relaxe naquele ambiente que me é hostil…é a D. Helena que é uma besta (a senhora que faz o atendimento), é o segurança que é um «monga», é a sala de espera que parece um «bunker» de doenças, é o altifalante que não funciona e temos que ouvir a voz esganiçada e de frete da D. Helena a chamar por números, é as histórias das doenças, é as queixas de um sistema de saúde degradante (degradado)….etc etc etc…
Lá aguardei pacientemente, não consegui ler uma página do meu livro, mas com um pequeno jogo de geografia que mantive com o meu amigo de 7 anos, aprendi algumas coisas (e fiquei constrangida com algumas que não sabia) e assim fui-me distraindo…
Por fim, passadas duas horas ouvimos o nosso nome a ser chamado pela voz de frete e esganiçada da D. Helena.
Levantámo-nos prontamente e dirigimo-nos ao gabinete do Sr. Doutor, entretanto fui guardando apressadamente na minha mala tudo o que tinha na mão, Nintendo, chapéu do meu amigo, garrafa de água, o livro que o meu amigo trouxe para ler e por fim espetei os óculos no decote da minha blusa, ficando apenas com o «meu» livro, a mala e uma mão livre para o meu amiguinho.
Entrámos na sala e deparei-me com um médico de cabelo comprido, com quarenta e poucos anos e um ar q.b. simpático que nos mandou entrar e sentar. Sentei-me e pousei o meu livro em cima da secretária:
- Então de que se queixa?
-Bem Doutor o D. tem tido febre desde sexta-feira, apesar de baixar com os medicamentos da febre usuais, não desapareceu…
-Hmmmmm… (silêncio)
-Ah e também se começou a queixar que lhe dói a garganta…
-Hmmmmm… (silêncio)
Reparei então nesta altura (tinha passado breves segundos) que o médico não me olhava e estava focado noutra coisa.
Por incrível que pareça estava a tentar ler o título do livro que eu tinha pousado na secretária (ou pareceu-me que estava seguindo a linha do seu olhar), sendo que um pouco incrédula, ocorreu-me que talvez o senhor fosse vesgo, daquelas pessoas que por muito que nos esforcemos não conseguimos acertar com o seu campo de visão. Na dúvida, resolvi testar…
- Sabe doutor eu acho que ele tem uma amigdalite (enquanto isso comecei a puxar o livro para mim e vi a cabeça do Sr. Doutor a esticar-se um pouco mais)
- Pois temos que ver isso…
Voltei a mexer o livro empurrei para a esquerda, depois para a direita e a cabeça do Doutor mexia-se na mesma direcção… Conclusão do teste: não era vesgo era CUSCO!
Irritada voltei o livro ao contrário, um pouco bruscamente, ocultando definitivamente o titulo do livro… e foi quando obtive toda a atenção do Sr Dr. . Levantou-se, pediu ao D. para abrir a boca, espreitou, sentou-se e vaticinou:
- Tem uma amigdalite!
Depois fez conversa de sala, que tinha um sobrinho da mesma idade blá blá , passou-me o antibiótico (que eu conheço e podia ter pedido na farmácia) e saímos...
Tempo de consulta: 10 minutos
Tempo de examinação e diagnóstico: 3 minutos
Tempo de cusquice (do titulo do meu livro): 5 minutos
Tempo de conversa de sala, passar receita e adeus: 2 minutos
Saímos…
- Este doutor não pediu para eu tirar a blusa, nem me colocou aquela coisinha no ouvido…
-Pois não D. …
-Mas porquê?
-Porque já sabia o que tinhas, eu disse-lhe e assim poupei-lhe trabalho.
-Ahhhhhhh…
Haja paciência…muita paciência….
sinto-me: